"Relações entre filhos e pais: Cuidados, Dependência e Delinquência" Comentários (9)
02/04/2015

Demerval Florêncio da Rocha

Até uma certa idade, a criança, mais que outros filhotes, tem muitas auto-limitações para garantir sua própria sobrevivência; por isso seu relacionamento com os pais é de uma dependência mais estreita que o observado em muitas outras espécies do reino animal. Conforme a história de vida dos pais e os motivos emocionais que determinam seu comportamento, esses pais podem também manifestar ou ocultar a necessidade que sentem de manter os filhos muito ligados a eles – assim, muitos pais são também psicologicamente dependentes dos filhos. Dentre as várias maneiras de se verificar o grau de dependência que os filhos têm dos pais e vice-versa, dois métodos são mais conhecidos: um deles se refere aos testes psicológicos utilizados para "medir" comportamentos; o outro é o método fenomenológico/compreensivista, que consiste simplesmente em observar atentamente o convívio entre pais e filhos ou perguntar, por exemplo, à mãe como ela se sente quando está perto, junto ou longe da(o) filha(o), e fazer perguntas para os filhos em relação à presença dos pais.

Dependência é um estado de espírito onde o desejo excessivo de um indivíduo ser cuidado, auxiliado, beneficiado, confortado, apreciado e protegido por outro se transforma em necessidade psicológica de o mesmo indivíduo ser abordado desta forma pelo outro, visando estar emocionalmente próximo do outro ou ser aceito e até mesmo preferido pelo outro.

É preciso que os pais conheçam que os cuidados prestados ao filho podem fazer com que o(a) filho(a) torne-se muito dependente dos pais. Não é propriamente no cuidado oferecido que pode estar a complicação, mas na forma e na intensidade com que tais cuidados são oferecidos. Outras vezes é a falta desses cuidados que torna a criança ainda mais dependente dos pais. Assim, por exemplo, o choro não atendido, negligenciado pela mãe, reforça as relações de dependência, pois a criança tenderá a chorar cada vez mais ou passará a executar determinados atos apenas na presença da mãe ou do pai, tal como comer, fazer xixi etc.

Parece que a forma mais eficaz de se promover a independência de uma criança é estimular seu desenvolvimento neuropsicomotor (dnpm), ou seja, estimular a evolução de suas habilidades para executar funções cada vez mais complexas. São funções que vão permitir à criança suprir suas próprias necessidades físicas, integrar-se ao meio ambiente e explorá-lo, aprender coisas diferentes a cada dia e se relacionar com as pessoas de forma positiva e construtiva. Os primeiros meses de vida da criança são os mais importantes para que ela adquira essas habilidades. Quem cuida do bebê tem, portanto, a responsabilidade de lhe fornecer os estímulos, que consistem em gestos e posturas simples perante a criança, tais como balbuciar ("ingrisar"), gesticular com as várias partes do corpo, fazer fisionomias que representem diversos sentimentos ("caras e bocas" – mímica facial), tocar a pele com diferentes objetos e intensidades, provocar diversos tipos de ruídos, cheiros etc. Assim, estaremos estimulando os cinco sentidos da criança, incluindo o paladar, quando oferecemos alimentos de diversos sabores. Quando a pessoa que cuida de uma criança é deprimida, apática ou inibida, esta pessoa deixa de oferecer estímulos adequados ao desenvolvimento e, assim, a criança não desenvolve sua independência, pois não desenvolve direito suas capacidades. É sobretudo nos primeiros dois anos de vida que a criança tem o maior potencial para construir sua independência, para construir a capacidade de dar conta do próprio recado, a capacidade de sobreviver por conta própria. Nesse período as células do sistema nervoso estão em rápido processo de amadurecimento (mielinização) e por isso mesmo estão muito receptivas e sensíveis aos estímulos externos. Temos que aproveitar essa fase para estimular ao máximo os neurônios. Serão bem recompensados os esforços que fizermos até os 2 anos para estimular o desenvolvimento neurológico e psicológico da criança. Doutro modo, a negligência, o desinteresse e o descuido nessa etapa da vida poderão ter efeitos catastróficos para o futuro desenvolvimento da criança. Assim também, alguns excessos e exageros nesse cuidado poderão atrapalhar a evolução da criança e fazer dela um ser totalmente dependente dos pais. Estamos falando da superproteção, a atitude reprovável de fazer tudo pelo bebê, atender a todos os desejos e caprichos da criança antes mesmo que ela os manifeste ("adivinhar" suas necessidades), deixar de repreendê-la quando ela cometer suas faltas ou repreender e reprimir excessiva e indevidamente a criança quando ela está, por exemplo, manifestando seus sentimentos de contrariedade, desacordo, de perda etc.

Sabemos que a ligação com a mãe é o que gera maior gratificação (recompensa, satisfação) das necessidades da criança, principalmente nos primeiros meses. Porém, gratificação em excesso induz dependência na criança. Essa dependência dá-se não apenas em relação aos familiares ou a quem cuida da criança, mas até mesmo em relação a qualquer pessoa do convívio da criança, pois ela pode passar a esperar dos outros tudo aquilo que recebia de quem a cuidava. Algumas atitudes de cobrança e controle muito precoces para com a criança podem fazer efeito contrário do esperado. Um exemplo é o controle de esfíncteres (tirar a fralda para fazer xixi e cocô no sanitário ou no penico). Isso pode deixar a criança insegura. E insegurança significa perda de autonomia, ou seja, falta de independência. Da mesma forma, a cobrança muito rígida de horários para mamar, dormir, acordar, tomar banho etc. não deve começar muito cedo. Devemos estabelecer rotinas, mas com alguma flexibilidade e sem obsessão.

A troca afetiva entre pais e filhos não gera dependência e sim autonomia emocional, portanto é capaz de reduzir os índices de delinqüência. Amamentar é um ato que provê muitas trocas afetivas entre mãe e rebento; afeto gera segurança, esta reduz a dependência. Para Viorst (1988) a maior parte da jornada rumo à nossa independência em relação aos pais acontece nos três primeiros anos de vida. A ternura é o ponto de equilíbrio entre o excesso e a carência, entre o protecionismo e a negligência.

A ternura resulta da serenidade. O protecionismo inconsistente, ou seja, a alternância de atitudes entre uma hora cuidar de mais e outra hora prover de menos, pode levar a criança à delinqüência, pois quando o pai se irrita e não satisfaz a expectativa que gerou na criança, esta pode apelar para gestos delinqüenciais a fim de superar a expectativa frustrada. A punição da dependência afetiva da criança, logo seguida por recompensa, é uma ambigüidade que gera incertezas e torna a criança ainda mais insegura e menos independente. O que gera auto-confiança é a regularidade nas manifestações de receptividade, carinho e proteção terna por parte dos pais.

Muitos pais ficam em dúvida do que seja pecar por excesso e pecar por falta. Esse dilema torna-se menor quando os pais conhecem um pouco sobre as fases do dnpm dos filhos, pois esse conhecimento os ajuda a agir na medida mais certa com relação às suas crianças. Assim, por exemplo, para deixar um bebê na creche ou sair para o trabalho e deixar a filhinha chorando, com menos peso na consciência, é importante saber que até o nono mês de vida o lactente não domina a noção de espaço-temporalidade. Trocando em miúdos, quando a mãe se afasta e sai pela porta, o bebê, por não saber o tamanho do mundo atrás da porta, não sabe se a mãe foi longe ou foi perto (noção de espaço); da mesma forma, como não tem noção de tempo, a criança nesta fase não sabe se o pai vai demorar muito ou pouco. Assim, não vai haver trauma na criança porque a mãe foi para seu trabalho na esquina ou foi para outra cidade; nesta fase o bebê não ficará traumatizado se o pai se demorou alguns minutos ou algumas horas. Portanto, é um bom período para os pais afrouxarem na criança alguns laços de dependência, como, por exemplo, habituar a criança a uma escola maternal sem nenhum remorso.

Também não se iludam os pais de que a intensidade da ansiedade de separação na criança sempre mede com precisão o tamanho da ligação afetiva que o filho tem com eles. Há crianças que ficam muito mais ansiosas quando se separam de uma pessoa com quem tem menos ligação afetiva ou que lhes provê menos afeto. Aliás, esta última situação é até mais comum, pois a criança que é menos estimulada afetivamente fica mais tempo dependente de afeto. Não é raro, nos ambulatórios de pediatria, virmos crianças ferrenhamente grudadas a mães que satisfazem muito pouco as necessidades afetivas dos filhos. A dita Síndrome de Estocolmo é uma boa comparação. Trata-se de uma situação de seqüestro, em que a pessoa seqüestrada acaba se apegando ao seqüestrador; isso é explicado pela necessidade de sobrevivência, pois, para continuar recebendo os cuidados mínimos e se manter viva, a pessoa seqüestrada instintivamente desenvolve sentimentos que vão da cordialidade até a empatia para com o seqüestrador. Assim também acontece com crianças que sofrem negligência ou maus tratos em casa. Ao contrário, crianças que são adequadamente assistidas pelos pais em suas demandas afetivas, nós freqüentemente as vemos leves e soltas brincando a uma boa distância dos pais. Afora isso, talvez apenas a criança superprotegida desminta o que acabamos de dizer, pois superproteção equivale à insegurança e dependência. É preciso também ter em conta que a gravidade da ansiedade de separação muitas vezes depende do nível de desenvolvimento cognitivo da criança, que às vezes trata-se de uma condição neuropsicológica inata, própria da criança, de influência mais genética do que ambiental.

Os pais que geram independência geralmente são do tipo calorosos, amorosos, tolerantes, conscienciosos, comunicativos com os filhos, e mais (Elias, 2001):

* sabem como estão se sentindo na maioria das ocasiões

* compartilham regularmente seus sentimentos com os outros

* procuram compreender o ponto de vista dos outros, mesmo no meio de uma discussão

* têm uma atitude otimista e esperançosa

* acham tempo para rir com seus entes queridos

* controlam seu temperamento quando estão estressados

* sabem ouvir com atenção e reformular o que acaba de ser dito

* consideram várias opiniões para tomar uma decisão

* têm metas e planos para alcançar seus objetivos

* sabem fazer conexões com pessoas para ajudar a atender às necessidades de seus filhos.

Filhos independentes são competentes, realistas, auto-controlados, exploradores, afiliativos, assertivos, e muito mais (Elias, 2001):

* conhecem muitas palavras para descrever seus sentimentos

* falam com facilidade sobre suas emoções

* têm empatia e simpatia pelos outros * têm uma atitude otimista

* esperam pacientemente por algo que de fato desejam

* têm metas razoáveis para a idade e algumas idéias sobre como alcançar essas metas

* ouvem com atenção

* sabem do que precisam e como pedi-lo

* sabem resolver a maioria de seus problemas

* ficam à vontade num grupo de crianças de sua idade.

Viorst (1988) resume as qualidades de um adulto emocionalmente saudável, tendo sido ele treinado desde bebê para adquirir segurança afetiva. Como adultos saudáveis – diz a autora – sentimos nosso eu digno de ser amado, valioso, genuíno. Sentimos a "individualidade" do nosso eu. Sentimos que somos únicos. E, ao invés de ver o eu como a vítima passiva do mundo interior e exterior, manejada, desamparada e fraca, reconhecemos o eu como agente responsável e força determinante da nossa vida. Como adultos saudáveis, podemos integrar as várias dimensões da nossa experiência humana, abandonando as simplificações da juventude insensível. Tolerando a ambivalência. Vendo a vida através de várias perspectivas. Descobrimos que o oposto de uma verdade importante pode ser outra verdade importante. E somos capazes de transformar fragmentos separados em um todo, aprendendo a ver os temas unificadores. Como adultos saudáveis possuímos, além de uma consciência e, é claro, do sentimento de culpa, também a capacidade para sentir remorso e para perdoar a nós mesmos. Somos apenas refreados, não aleijados, pela nossa moralidade. As adaptações construtivas e as defesas flexíveis permitem que alcancemos objetivos importantes.

Manifestar dependência pode gerar bastante ansiedade na criança, principalmente quanto à reação de familiares. Essa ansiedade pode gerar mais dependência, ou seja, obstrui a autonomia da criança, pois toda pessoa ansiosa está menos apta a decidir por si só. Como já dissemos anteriormente, essa geração de dependência pode ser consciente ou inconscientemente desejada pelo genitor e, desse modo, uma ou ambas as partes (filhos e pais) poderão manipular uma à outra, deixar-se manipular ou manipular-se mutuamente. A busca de atenção e de aprovação são formas relativamente maduras (socialmente adaptadas) de expressar dependência, ao passo que os pedidos diretos e reiterados de afeição e o choro despropositado são modos imaturos de manifestar dependência.

Outra forma de demonstração imatura e doentia de dependência é a delinqüência -expressão de atitudes socialmente reprovadas por causarem dano proposital a outra pessoa ou a outros entes. Castro Neto (1995) dá um exemplo seguido de um comentário bastante elucidativo: "Às vezes podemos constatar o fato de uma criança inteligente cometer um furto de modo tolo, sabendo, quase com certeza, que será descoberta. A explicação para esta atitude é que o castigo poderá ser um meio de aliviar o mal-estar provocado por algum sentimento de culpa anterior ao furto, que a aflige no nível do inconsciente, mas que lhe é ignorado totalmente ao nível consciente. Assim, fazer-se castigar é uma maneira de se entrosar de novo com o mundo e consigo mesma, pelo menos provisoriamente.

A criança emocionalmente independente, ou seja, que está no rumo certo de uma maturidade psicológica, sabe lidar melhor com as frustrações. Já a criança dependente, afetivamente carente ou imatura para a idade, pode chegar à agressão, que é uma reação delinqüencial predominante, senão inevitável, à frustração. Eventos frustradores são os que bloqueiam o comportamento de buscar atingir os objetivos, que ameaçam a auto-estima ou privam a criança da oportunidade de concretizar alguma inclinação da personalidade. As formas e graus de agressão que a criança exibirá dependem de alguns fatores: intensidade interpretada de sua motivação hostil (frustração), reforços recebidos pelo comportamento agressivo, observação e imitação de modelos agressivos e nível de ansiedade/culpa associado à expressão da agressão. É de suma importância destacar que a punição por parte dos pais, conforme a severidade e os meios para executá-la, pode acabar servindo de modelo agressivo para os filhos.

A criança agredida, estando assim em situação de impotência e frustração, pode se adequar a um processo de identificação com o agressor. Numa atitude que lembra o ditado "se não pode derrotá-los, junte-se a eles", tentamos nos parecer com as pessoas que tememos e odiamos, na esperança de, assim, ganhar o mesmo poder e nos defendermos contra o perigo que representam.

A combinação de punição freqüente + pouca permissividade ou pouca oportunidade para manifestar emoções e para executar comportamentos autônomos pode provocar auto-punição e tendências suicidas, bem como timidez, retraimento social, dificuldades no relacionamento com companheiros e pouca confiança ou pouca motivação para assumir mais tarde os papéis de adulto. Os estudos sugerem que a conjunção de restrição e hostilidade facilita o desenvolvimento de um ressentimento considerável que, em certa medida, é voltado contra si próprio, mas geralmente é vivido como turbulência e conflitos internalizados (Mussen, 1977). O prejuízo maior do manuseio equivocado de crianças afetivamente dependentes recai sobre a auto-estima, ou seja, prejudica o julgamento pessoal de valor, expresso nas atitudes que a criança assume perante si própria.

A maioria dos traços delinqüenciais são de caráter defensivo, refletindo auto-conceitos comprometidos, sentimentos de inadequação, sujeição emocional e frustração das necessidades de auto-expressão. As crianças clara ou potencialmente delinqüentes demonstram menos respeito à equanimidade no trato com os demais, são menos amistosas, menos responsáveis, mais impulsivas e antagônicas à autoridade institucional ou familiar. São mais desleixadas nas tarefas, atuam em nível inferior às suas possibilidades, necessitam mais supervisão, são mais susceptíveis à distração, têm menos capacidade de atenção, devaneiam mais e resistem mais quando academicamente desafiadas.

A criança que chega à delinqüência, o faz porque, obviamente, não chegou a desenvolver uma personalidade capaz de comportamentos pró-sociais, não foi corretamente socializada. Isso porque não foi corretamente conduzida a conquistar sua independência ou maturidade afetiva.

Personalidade se refere à organização total ou ao padrão de características psíquicas do indivíduo – as formas de sentir, pensar e agir – reveladoras da peculiaridade de seus meios de relacionar-se com o ambiente e adaptar-se a ele ou modificá-lo; diz respeito aos aspectos comportamentais do indivíduo que são não apenas estáveis como também reveladores de sua alteridade em comparação a qualquer outro ser.

A formação de uma personalidade socialmente construtiva se confunde com a própria construção do Eu. Este inclui um componente perceptivo – quanto menos consistentes forem de si próprio as imagens, idéias e modos de perceber, maior a dependência dos outros – e um componente conceitual: a concepção que faz de suas características diferenciadoras, suas capacidades, recursos, qualidades, defeitos e limitações, concepção de seus antecedentes e origens, futuro. Para ter uma identidade madura o indivíduo precisa até mesmo analisar acerca de como foi sua criação no âmbito familiar e por que foi criado de tal ou qual jeito, ou seja, ele precisa conceber a reflexão de sua própria história.

Estimular o desenvolvimento do Eu, da identidade da criança, é promover sua independência. O genitor hiper-transigente (que cede, dá tudo que a criança quer), pensando em livrar-se o quanto antes de sua criança pegajosa, na verdade a está treinando para a dependência. Então fica claro que complacência é uma das formas de rejeição, pois está emperrando a autonomia e a auto-confiança do rebento. Observamos que muitos pais que são despreparados ou incompetentes para suprir as necessidades psíquicas da criança, tornam-se excessivamente complacentes nas demandas físicas e nos caprichos infantis.

As atitudes dos pais são o espelho para a criança moldar seu próprio Eu. A criança idealiza a figura dos pais. Estes não podem nem decepcionar totalmente a criança em sua idealização nem hipocritamente fomentá-la, pois esta última situação (pai que finge ser a personalidade ideal) instiga na criança a sensação de um comportamento inatingível e abre caminho para a delinqüência por reduzir sua auto-estima.

Estando a criança estimulada para formar-se uma identidade plena e uma personalidade independente, fica mais simples aos pais e educadores trabalhar com ela, desde cedo, a questão da disciplina. Disciplinamento é qualquer espécie de influência destinada a auxiliar a criança a aprender os meios de enfrentar as exigências de seu ambiente, as quais vêm contrariar as exigências que a criança instintivamente gostaria de fazer a esse ambiente (Mussen, 1977). As exigências instintivas geralmente coincidem com a "lei do menor esforço". Disciplinar não é cercear liberdades, mas adequá-las aos momentos temporais e existenciais da criança. Se a criança tiver mais liberdades que é capaz de administrar, provavelmente ver-se-á em dificuldades. Uma criança não pode apreciar plenamente os frutos da liberdade se não renunciar a uma parte dela. Precisa aprender a inclinar-se ante alguns fatos da vida ou esgotar-se-á numa resistência pueril.

O castigo, enquanto método de impor disciplina, quando extremamente necessário, deve ser usado com algumas ressalvas: a) pode talvez dissuadir a criança de reincidir em determinado ato, mas não serve como corretivo, pois o que ela fez está feito; b) serve mais como proteção aos outros contra a agressividade da criança; c) deve ter um objetivo limitado e não ser reprimenda prolongada; d) deve ser imediato e não um ajuste de contas depois da elaboração de uma longa lista de faltas e acusações; e) não deve ser expressão de sarcasmo, menosprezo, censura constante e sinal de contínua desaprovação.

Da parte do adulto é recomendável algum exercício de tolerância para com muitas das travessuras e altercações das crianças. Devemos saber que resistência e teimosia nas relações com os mais velhos são esperadas a partir dos 18 meses de vida e mais intensamente na faixa dos 4 anos. Nessas etapas a criança amplia bastante seu campo fenomenal, quer dizer, adquire maior compreensão sobre seres, fenômenos, conceitos e situações. Fisicamente isto se dá pelo desenvolvimento da motricidade (caminhar, correr, dançar) e intelectualmente pela aquisição e compreensão de linguagem verbal. Mas, se já soubesse conversar fluentemente, haveria poucas contendas nesta fase. Todavia, é cada vez mais fácil de ser socializada.

Socialização é o processo pelo qual o indivíduo adquire padrões de comportamento, crenças, normas e motivos (necessidades) que são valorizados por seu grupo sócio-cultural-familiar e adequados ao próprio indivíduo.

A culpa perante transgressões é freqüentemente usada como um índice de desenvolvimento da consciência e da internalização dos padrões de moralidade. Para se promover um alto nível de consciência pró-social é necessário: a) manter relacionamentos estreitos e afetuosos com a criança; b) usar técnicas educativas capazes de provocar na criança sentimentos desagradáveis como resultado de pequenas infrações, independentemente de ameaça externa; c) demonstração de desgosto no sentimento dos pais. Ameaça, força e punição física não gera consciência, mas delinqüência, principalmente se não houver um histórico de estreita relação afetiva entre criança e cuidador/educador.

Vários autores ressaltam o que já vimos dizendo ao longo deste texto: que o desenvolvimento da consciência – manifesto por reações internas à transgressão na forma de culpa ou pela adoção de padrões morais por cuja manutenção a criança sente-se responsável – é auxiliado pela presença de calor e amor parental (Jersild, 1981; Savater, 2002). Isto soa razoável em relação a dois mecanismos que parecem estar envolvidos no desenvolvimento da consciência: identificação e medo de perder o amor ou a aprovação.

Pesquisas indicam que, da parte do pai, a negligência ou ausência de cuidados à criança levam esta a manifestar mais ansiedade e depressão. Já se a negligenciadora ou ausente for a mãe, isso é um fator preditor mais forte de futura delinqüência juvenil (Feijó & Assis, 2002). A criança educada sem um dos pais tem mais dificuldade em construir segurança emocional. Quando ambos estão disponíveis é mais seguro para a criança demonstrar, por exemplo, que está zangada com um deles; pode odiar sem ser abandonada; pode odiar e continuar amando e ser amada. Quando há só um genitor, a criança, muitas vezes inconscientemente, suprime sentimentos adversos em relação ao genitor presente, pois se os extravasar poderá achar que corre o risco de ficar desamparada.

Os vínculos dos pais com os filhos são os mais poderosos em operar mudanças positivas de conduta e percepção emocional na prole; muito mais que qualquer relação terapêutica ou atuação de autoridade institucional.

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS

1 – CASTRO NETO, A. Crianças que furtam. Pediatria atual, vol 8, n 8, p 36-38, agosto/1995.

2 – ELIAS, M. J. et al. A adolescência e a inteligência emocional: como criar filhos com amor, bom humor e firmeza. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

3 – FEIJÓ, M.C. Mãe e bebê: uma relação pré-natal. Rio de Janeiro: Grupo Palestra/ nthropos, 1997

4 - FEIJÓ, M.C. & ASSIS, S.G. O contexto de exclusão social e de vulnerabilidades de jovens infratores e de suas famílias. Não publicado, 2002.

5 – GOTTMAN, J. Inteligência emocional e a arte de educar nossos filhos. 10 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.

6 – JERSILD, A. T. Psicologia da criança. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.

7 – MUSSEN, P. H. et al. Desenvolvimento e personalidade da criança. 4 ed. São Paulo: Harbra, 1977.

8 – SAVATER, F. Ética para meu filho. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 9 – VIORST, J. Perdas necessárias. São Paulo: Melhoramentos, 1988.

 

 
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